REVIEW | Onde Está meu Coração não revela sua verdadeira essência

Sagitta Tech
6 min readMay 10, 2021

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Contar a história de um viciado em drogas não é nenhuma novidade na mídia, muito menos na teledramaturgia brasileira. O “pulo do gato” está na forma como esse problema social contemporâneo é retratado e por interpretações que são capazes de envolver o espectador e deixar o mais próximo possível essa ficção de nossa realidade.

A tentativa mais recente nesse universo conturbado do drama de viciados em entorpecentes é a minissérie Onde está meu coração, exclusiva do serviço de streaming Globoplay e que conta com um elenco de peso. Porém, nem mesmo a brilhante interpretação de alguns atores é capaz de salvar a produção de cometer sérios tropeços e, no final, cair no lugar comum que tantas histórias semelhantes acabam.

Ainda sem encontrar meu coração

Com 10 episódios, a minissérie do Globoplay explora o mergulho no mundo do vício em crack da médica Amanda (interpretada por Letícia Colin) e a batalha que sua família enfrenta para recuperar a jovem.

Além de nossa protagonista, o núcleo da trama é composto pelo pai David (Fábio Assunção), a mãe Sofia (Mariana Lima), a irmã Júlia (Manu Morelli) e o marido Miguel (Daniel Oliveira). Com exceção de Letícia Colin, de Fábio Assunção e Daniel Oliveira (que eu tenho um grande ranço, sem motivos aparentes), todas as interpretações são rasas e “forçadas” em vários momentos da trama.

A minissérie tenta mostrar que existem outros problemas pessoais que a família precisa enfrentar além do vício de Amanda, mas todos eles não passam de histórias secundárias que não contribuem para a trama principal e nem ao menos servem para justificar os problemas de Amanda.

Talvez a única trama secundária que tenha algum efeito sobre a história de Amanda seja o alcoolismo do pai que, depois de estar controlado por 20 anos, retorna no momento mais crucial do tratamento de recuperação da filha. Já Mariana Lima interpreta o papel caricatural da mãe de uma filha drogada: demonstrações constantes de afeto, preocupação excessiva e uma vontade inabalável de mover céus e terra para ajudar a filha. É tocante de se assistir o empenho do personagem mas quando ele parece à prova de falhas, sua credibilidade fica muito ameaçada para o espectador.

Daniel Oliveira, por sua vez é um arquiteto de sucesso que está sempre disposto a experimentar todo o tipo de entorpecente (com a sorte de nunca acabar se viciando em nenhuma droga ilegal) mas que acaba cometendo o grave erro de apresentar Amanda ao crack, “despertando” seu gene da dependência química e virando a vida dos dois de cabeça para baixo.

Mesmo com a intepretação às vezes “forçada” de Daniel, ele talvez seja um dos personagens que possui o melhor desenvolvimento ao longo da minissérie, junto de Amanda. Esnobe e prepotente no começo, o jovem aos poucos vai percebendo que seu amor por Amanda é mais forte que a vontade de ganhar dinheiro e que é capaz de superar as maiores crises.

Estando longe de ser a melhor performance de uma viciada em crack, Letícia Colin ainda assim entrega uma atuação de qualidade no papel de Amanda. Tudo que você pode esperar desse tipo de história está aqui: os dramas pessoais, a “nóia” quando está utilizando drogas demais e as terríveis crises de abstinência.

Letícia faz um trabalho surpreendente ao colocar uma médica, alguém que deveria salvar vidas, no papel de uma pessoa drogada que não consegue se controlar e está sempre em busca de mais entorpecentes para aliviar o peso de sua existência. Em alguns momentos pontuais, pode-se perceber Amanda tendo insights de sua situação atual e, como uma pessoa racional, o que ela precisa e deve fazer para salvar sua própria vida e recuperar sua família.

Infelizmente o “peso” a que me referi nunca fica muito claro na minissérie. Amanda é filha de uma família de classe média alta de São Paulo e, apesar de sabermos muito bem por estatísticas atuais que jovens desse nível social são grandes consumidores de vários tipos de drogas, não existe um motivo pivô para Amanda afundar no mundo do crack a não ser o fator de predisposição genética para dependência química.

Em alguns momentos a minissérie menciona um acidente traumático na sua infância em que, deixada sozinha em casa para cuidar de seus dois irmãos menores, ela deixou que seu irmão, o pequeno David, se afogasse na piscina. O espectador até pode pensar que esse trauma e a culpa são os motivos que levam Amanda a procurar conforto no crack, mas o episódio é tão pouco mencionado que parece um elemento descolado do resto da história.

No entanto, o detalhe mais supérfluo dessa história tem que ser o voto de castidade da irmã mais nova de Amanda, Júlia. O fato de ela ter feito uma promessa para se manter virgem antes do casamento para ver sua família feliz e se tornado uma devota de Cristo não adiciona absolutamente nada para a história em geral. É uma decisão tão infeliz por parte dos roteiristas que, se essa personagem fosse removida da trama o espectador não iria sentir nenhuma falta.

Definitivamente o aspecto mais destoante da minissérie é a trilha sonora. Com um foco em péssimas reinterpretações de clássicos do músico Frank Sinatra, a direção tenta criar uma atmosfera intimista para que assim o espectador consiga se conectar melhor com cada personagem mas acaba causando um efeito contrário: você acaba ansiando pelo momento em que um corte irá levar você para outra parte da história e ter a sensação, mesmo que ilusória, de que a trama está progredindo.

Além disso, as músicas não conversam entre si. Não existe uma coesão que possa organizar as melodias na forma de uma trilha sonora verdadeira que identifique a minissérie. Ora, as músicas nem sequer combinam com as personagens. Parece até que os diretores e roteiristas simplesmente escolheram a esmo músicas de uma playlist jazz e jogaram dentro da história.

É uma decisão muito infeliz, uma vez que até o mais amador produtor de séries/filmes sabe que uma boa trilha sonora é o elemento mais essencial quando se explora uma história de drama, uma vez que a música é o fio conector capaz de estabelecer uma ligação auditiva e emocional entre as personagens e os espectadores.

Por outro lado é preciso elogiar o trabalho brilhante com a fotografia e enquadramento da minissérie, cada ângulo e posicionamento parece ter sido escolhido e trabalho com extremo cuidado, criando momentos que encaixam perfeitamente com os sentimentos e emoções dos personagens. É um nível de qualidade que os espectadores brasileiros simplesmente não estão acostumados a ver em produções nacionais fora dos cinemas e algo que é preciso investir pesadamente para mostrar o talento de nossa produção midiática fora do ambiente das novelas de televisão.

Enfim, Onde Está meu Coração é uma minissérie que tem uma quantidade proporcional de acertos e erros em todos os seus departamentos e que se tivesse investido mais nos dramas dos personagens certos ao invés de alongar sequências desnecessárias, teria criado uma produção digna dos melhores conteúdos de mídia disponíveis atualmente.

A mensagem sobre a ruína causada pelo vício em drogas (especialmente uma tão devastadora) está lá, escondida embaixo de várias camadas de histórias que se misturam e se confundem e que, no final, não revelam sua verdadeira essência ao espectador. Como o próprio título, a real questão é tentar entender onde está o coração dessa minissérie.

Opinião Final: OK

Por Luís Antônio Costa

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O Sagitta Tech é uma página dispara uma flecha certeira na direção do que é mais interessante no mundo da tecnologia e games, por Luís Antônio Costa.

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